Pneumatologia




O assunto desta aula, como indica o título, é pneumatologia, cujo significado tradicional tem sido o de “doutrina do Espírito”, ou “discurso acerca do Espírito”. No grego, a palavra utilizada é “pneuma”, no hebraico, “ruach”, e no latim, “spiritus”. Tais palavras são traduzidas muitas vezes por “soprar”, “respirar”, “fôlego”, etc . Não encherei esta postagem com muitas citações bíblicas, senão a leitura ficará muito cansativa. Nesta primeira aula, conversamos um pouco acerca do panoram histórico sobre esta questão no cristianismo antigo.

Conforme conversamos, no Novo Testamento o Espírito, em não poucas passagens, é citado em “pé de igualdade” com o Pai, e o Filho, em diversas passagens clássicas, como a de Mateus 28.19 (“...batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo). Também em algumas das chamadas bênçãos apostólicas, como a de 2 Corintios 13.13 ( “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito...”). Podemos ver a atuação conjunta do Pai, Filho e Espírito Santo no batismo de Jesus, em Mateus 3.16-17, quando se o Espírito desce sobre Jesus, e se ouve uma voz do céu. Muitas outras passagens podem ser mencionadas.

É importante citar estas passagens para percebermos que a dita “fórmula trinitária” faz parte do cristianismo em seu nascedouro. Os documentos que temos no Novo Testamento, em sua grande maioria, concordam todos os estudiosos, é o que temos de mais antigo na literatura cristã primitiva. Portanto, a fórmula “Pai, Filho e Espírito Santo”, de modo algum foi criada em determinado momento posterior, e depois projetada ao passado sobre os cristãos primitivos. Os modernos exegetas e estudiosos do N. T. entendem que as epístolas paulinas são o que de mais antigo temos (como por exemplo, Kümmell), e muitas destas, já trazem o Espírito, atuando em consonância com o Filho e o Pai.

Assim também acontece na literatura cristã primitiva, notadamente nas obras produzidas no período que costumamos chamar de período Patrístico. Por exemplo, se pegarmos uma obra intitulada “Didaquê dos Doze Apóstolos”, que é provavelmente do início do sec. II, temos também a citação trinitária mencionada: “Quanto ao batismo, procedam assim: Depois de ditas todas estas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo (Didaque 7.1).

Inácio de Antioquia, bispo martirizado em 107 d. C., também menciona com grande esplendor, a atuação Trinitária na obra de salvação dos cristãos: “... sois as pedras do templo de Deus Pai, levantadas até o alto pela alavanca que é Jesus Cristo, que é a cruz, usando a corda, que é o Espírito Santo” (aos Efésios, 9.1). “De fato, nosso Deus Jesus Cristo, segundo a economia de Deus, foi levado ao seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito Santo”. (Efésios 18.2).

Muitos outros exemplos de pessoas que citavam com abundância a atuação do Pai, Filho e Espírito Santo podem ser mencionadas, como Clemente de Roma, Justino Mártir, Hipólito de Roma, entre muitos outros. Entretanto, procuramos dar ênfase ao pensamento de Tertuliano (155 – 222), o grande teólogo de Cartago, norte da África. Ao que tudo indica, ele foi o primeiro a utilizar o termo “Trinitas”, em uma obra intitulada “contra Práxeas”; e também, o mencionado teólogo foi o primeiro a utilizar o termo “substantia”, querendo dizer que, os Três, Pai, Filho e Espírito Santo, têm a mesma substância, por isso, são o mesmo Deus.

Algo que, conforme dito em aula, precisamos ponderar, é o seguinte: a mentalidade teológica dos hebreus nos parece um tanto quanto diferente da mentalidade grega. Para o hebreu, Deus era “experiência”, era “ocorrência”. Não se chegou a Deus pela razão, mas sim pela revelação, pela inserção do divino na história dos hebreus. Na mentalidade ocidental, grega, muito mais ligada a razão, parece que foi surgindo a necessidade de se conceituar precisamente as questões referentes a teologia (que, diga-se de passagem, é uma palavra grega). Isto porque, enquanto o hebreu chegou ao monoteísmo pela experiência (os “nomes de Deus”, como “Deus é a nossa bandeira”, o nosso “escudo”, o “meu Pastor”, etc, são frutos da experiência prática daquele povo), os gregos chegam ao monoteísmo pela razão, daí a necessidade de conceitos precisos acerca da divindade. E é nesse contexto que irá se desenvolver a teologia cristã (lembrem-se que o próprio N.T. é todo escrito em grego). Cumpre esclarecer que o Novo Testamento cita abundantemente a atuação do Pai, Filho e Espírito Santo, entretanto, não traz explicações claras de como eles se relacionam entre si, de como se dá esta unidade na diversidade, de como podem ser três pessoas e um só Deus, etc. Quem irá fazer isso, serão os teólogos antigos, sendo Tertuliano, neste aspecto, talvez o primeiro a tentar elaborar uma teoria a respeito. A idéia de Tertuliano, “uma só substância” se torna tão importante, que posteriormente, será aceita por toda a cristandade, sendo incorporada inclusive no Credo Niceno-Constantinapolitano.

Foi por esta necessidade de se conceituar, entender, analisar a divindade, que surgem algumas das mais sérias controvérsias cristológicas no cristianismo primitivo. Em princípio, tudo girava em torno da pessoa de Jesus. Alguns, como os ebionititas (ou ebionitas), que eram judeus cristãos, diziam que Jesus era meramente humano, somente humano. No outro extremo, os gnósticos, diziam que Jesus era meramente divino, sendo que sua encarnação era meramente aparente, impossível até (como poderia o "Incontido", o "Absoluto", o "Eterno", o "Atemporal", se encanar?). Boa parte das controvérsias girava em torno destes dois extremos. Havia ainda os que diziam que Pai, Filho e Espírito Santo eram somente “máscaras”, formas de um único Deus se apresentar à humanidade, mas de modo nenhum, três pessoas. Outros, que Pai, Filho e Espirito Santo eram somente fases da vida do Deus único (ou seja, todos, a seu modo, queriam "salvar" um conceito masi tradiconal de monoteísmo). E todas estas controvérsias ocorriam dentro da Igreja, não somente fora dela. Por isso, o estudo da divindade do Espírito está extremamente ligado ao do estudo da Cristologia. Não podem ser separados.

Surgiu então, no início do sec. IV, um presbítero oriental chamado Ário, que talvez representasse uma das mais perigosas idéias no cristianismo antigo, que acabou sendo denominada de arianismo. Em resumo, ele negava ao Filho o condição de Deus (conseqüentemente, também ao Espírito), e sua idéia seduziu a muitos. A controvérsia foi tão grande que o Imperador Constantino convoca aquele que será considerado o primeiro concílio ecumênico da história da Igreja, o Concílio de Nicéia. Neste Concílio, as idéias de Ário são condenadas; e aceitas as de um outro teólogo, o diácono e futuro bispo Atanásio, que defendia com veemência a divindade do Filho e do Espírito Santo. Atanásio, entre outras coisas, disse que, se Jesus não era Deus, então os antigos foram idólatras, pois adoravam Jesus desde o início. Também ensinou que se Jesus não era Deus, estaríamos creditando a nossa salvação a um anjo, ou uma criatura qualquer; e é impossível que uma criatura possa salvar outra criatura, no sentido soteriológico do termo. E que se Jesus não era plenamente humano e divino, não seria uma mediador perfeito entre Deus e os homens. Ele utilizou muitos outros argumentos. Neste concílio, as teses de Atanásio sagraram-se vencedoras, não sendo mais possível colocar em dúvida na Igreja Católica a divindade do Filho. Entretanto, alguma discussão ainda havia acerca da divindade do Espírito Santo, até que, no ano de 381, em Constantinopla, um outro concílio também decidiu pela divindade da terceira pessoa da Trindade, de modo que tal discussão, de certa forma, fica superada.

O chamado credo Niceno-Constantinapolitano, que é lido e cantado com freqüência em algumas igrejas, como a Católica Romana, as Ortodoxas, Anglicanas, Luteranas e algumas Reformadas espalhadas pelo mundo, assim se pronuncia em relação a divindade do Filho e do Espírito: